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Kendorrhea

Random and useless personal thoughts on things that have nothing to do with nobody, like kendo, iaido and the like
Wednesday, August 03, 2011

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Nakayama Hakudô e o kamae (postura) de Jôdan


Acho que a maioria das pessoas que já praticaram kendô ou iaidô alguma vez na vida já ouviu falar de Nakayama Hakudô (1872-1958). Foi um dos grandes mestres de kendô, iaidô e jodô no período imediatamente antes da Segunda Guerra Mundial. Ele foi Hanshi , título máximo da Dai Nippon Butokukai - ao contrário de hoje, na época o título de Hanshi estava acima dos graus, portanto não havia coisas como 8o dan Hanshi e afins.

Nakayama chegou a publicar algumas obras, assim como o mestre dele, Negishi Shingorô, representante (Sôke) do estilo Shintô Munen-ryu. Mas muita coisa permaneceu na oralidade, até que o filho dele, Nakayama Zendô (Yoshimichi/Nobukichi) compilou os ensinamentos de seu pai. Só que, ao contrário do pai, Nakayama Zendô "deixou de existir" no mundo do kendô após a Segunda Guerra e por causa disso, essa compilação permaneceu totalmente ignorada por muito tempo.

Foi só no final da década de 80 que Inamura Eiichi, um dos discípulos de Nakayama pai e filho, trouxe esse material para o público. E a revista Kendo Nippon, da edição de abril de 1988, revelou alguns trechos desse material. Tem muita coisa interessante, mas desta vez gostaria de apresentar apenas um pequeno trecho referente ao uso do jôdan.

Se atualmente o jôdan é um kamae que não é tão raro de se ver (basta citar o exemplo do Shôdai), antigamente era um kamae de exigências extremamente elevadas. E Nakayama Hakudô critica justamente a ignorância que se passou a ter com relação à verdadeira natureza do jôdan. É essa parte que está traduzida a seguir.

A tradução é minha, como de costume.

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(...) O Jôdan se refere a um kamae (postura) extremamente imponente e dominador, insuflando o medo no oponente através de uma pressão tal que suas técnicas, seu espírito e sua força ficam completamente anuladas, não restando outra alternativa ao adversário exceto sacrificar a sua própria vida em um último ataque.

Para se chegar a este nível, é imprescindível passar e sobreviver por provações extremamente árduas e rigorosas durante o treinamento. É um kamae tal que somente pode ser compreendido por aqueles que alcançaram o nível de mestre.

Uma pessoa jamais pode assumir este kamae só porque treinou meros trinta, quarenta anos. O jôdan dessas pessoas sempre está cheio de suki (abertura para ataque) e, para piorar, essas pessoas ficam avançando e recuando, indo para frente e para trás de forma extremamente patética, esperando por uma oportunidade fortuita para ter a sorte de acertar um golpe. Isso não é jôdan. Isso nada mais é do que ficar com a espada sobre a sua cabeça. Desde os tempos antigos, chama-se a isso de "jôdan de espantalho". [N.T.: ou seja, assim como um espantalho, só tem pose.]

Para se ter uma ideia, na época em que eu estava na ativa (até a primavera de 1944), subdividia-se o grau máximo de Hanshi em quatro níveis, de A (máximo) a D (mínimo). E apenas um Hanshi nível A conseguia usar o jôdan - e ainda mal e mal, tal a exigência que esse kamae possui.

Em outras palavras, apenas aqueles de mais elevada capacidade podem efetivamente utilizar esse kamae. Assim sendo, um praticante imaturo utilizar este kamae sofisticado contra o seu mestre ou contra os companheiros mais velhos de treino é de uma falta absurda e abismal de respeito e é também uma prova irrefutável da sua arrogância monumental. Gostaria de deixar claro de que uma atitude dessas demonstra que está fazendo de um completo idiota a pessoa à sua frente, com consequências extremamente graves. Acho que agora é possível entender por que antigamente as pessoas pediam desculpas, falando "goburei shimasu" [N.T.: literalmente, "peço desculpas pela falta de respeito"] antes de entrar em jôdan, mesmo diante de uma pessoa do seu nível.

Tem muitos outros fatores envolvidos, mas gostaria de parar aqui com as minhas críticas e pedir para que as pessoas estudem e se aprofundem mais. Gostaria apenas de dizer que o treinamento não deve pensar apenas em golpear a pessoa à sua frente. Existem muitas outras coisas essenciais além do golpe em si e elas devem ser levadas em consideração quando do treino. (...)

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Monday, May 23, 2011

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O significado das dobras/pregas do hakama


Depois de... nada menos do que DOIS ANOS E TRÊS MESES, finalmente um post novo neste blog. Eu DUVIDO que ainda tenha alguém lendo, mas enfim...

O livro que eu estava escrevendo finalmente foi publicado (quem sabe, sabe). E agora resolvi criar vergonha na cara e escrever algo novamente aqui. Sinceramente, ainda não sei como é que este blog ainda não foi apagado! Nem me lembrava da senha para acessar isto aqui, tive que configurar uma senha nova...

Bom, deixando isso de lado e deixando de lado também as traduções dos artigos que estou devendo para este blog, este post serve para esclarecer algumas coisas sobre um assunto que de vez em quando vem à tona: as dobras (pregas) do hakama.

Antes de mais nada, sobre o hakama em si: o hakama usado normalmente nas artes marciais é do tipo umanori, ou seja, próprio para montar a cavalo. Por isso que ele se parece com uma calça "ultra-baggy". Existem outros tipos de hakama - o tipo andon é de fato uma saia. Existia também um hakama inspirado nos trajes ocidentais - não por acaso, chamado de karusan, a versão japonesa para o bom e velho calção.

Assim como os vincos das calças sociais dos dias de hoje, os vincos do hakama têm uma função bastante prática: facilitar a dobragem e seu armazenamento. Quem tem um hakama com as pregas sumindo ou defeituosas sabe bem a dificuldade de dobrar direitinho.

Desta forma, originalmente as dobras tinham um significado meramente prático. A atribuição de significados a elas é algo posterior.

E o que as dobras supostamente simbolizam?

Antes de mais nada, é importante saber quantas pregas existem no hakama. Elas são cinco na frente, sendo três do lado (perna) esquerdo e dois do lado (perna) direito. E um ou dois vincos atrás, dependendo da interpretação. Geralmente, assume-se que tenha apenas uma prega atrás.

Por que essa divisão entre o lado esquerdo e o lado direito? Porque está de acordo com a teoria do yin-yang. Nesse pensamento, o yin é representado pelo lado direito e pelos números pares, enquanto que o yang é representado pelo lado esquerdo e pelos números ímpares. O motivo por trás disso já começa a fugir um pouco do escopo deste post. Mas isso explica por que são três à esquerda e dois à direita.

E o que significam as cinco pregas?

Existem várias interpretações, como por exemplo a de que elas representam o Gokoku Hôjô, ou seja, a fartura. Cada prega representaria um dos cinco cereais que compõem o gokoku.

Mas no kendô (e em outras artes marciais), as cinco pregas representam o chamado Gorin Gojô no oshie, ou seja, o "ensinamento das cinco relações e das cinco virtudes permanentes". Isso é uma influência mais do que direta do Confucionismo. Quem tiver familiaridade com os Analectos, certamente vai reconhecer tudo o que está sendo falado aqui.

Vamos começar com as "cinco virtudes permanentes" (Gojô). Não sei por que cargas d'água, as pessoas (principalmente fora do Japão) tendem a associar virtudes livremente às pregas do hakama, quando na verdade são cinco virtudes muito bem definidas. Em ordem, elas são:
- Jin, a grandeza humana (que engloba outras virtudes como a compaixão);
- Gi, o senso de dever;
- Rei, o respeito (que inclui também a etiqueta);
- Chi, a sabedoria;
- e Shin, a confiança.

São essas as cinco virtudes de um ser humano. As traduções das virtudes são bem aproximadas. Uma tradução mais correta delas exigiria explicações mais aprofundadas, o que acabaria por desviar o foco deste post. Quem conhece Confucionismo a fundo deve explicar melhor do que eu também.

Existe também uma classificação em que são citadas apenas três, quais sejam o Chi (sabedoria), Jin (grandeza humana) e (coragem). Essa classificação também é muito usada em artes marciais, aparecendo inclusive no kendô kata.

Falando de um modo MUITO genérico e tosco, uma pessoa que manifestasse essas cinco virtudes constantemente ficaria inserido na sociedade de forma que as suas cinco relações interpessoais possíveis se tornassem naturalmente corretas.

E quais seriam as cinco relações? Elas são:
- a fealdade entre senhor e súdito (Kunshin no Gi);
- a familiaridade entre pai e filho (Fushi no Shin);
- a diferença entre marido e mulher (Fûfu no Betsu);
- a ordem entre o mais velho e o mais novo (Chôyô no Jo);
- a confiança entre os amigos (Meiyû no Shin).

Por fim, o que significa a prega da parte de trás do hakama? Ela significa a retidão do(a) praticante, ou seja, a sua integridade moral. Os japoneses se referem a isso como "não ter dois corações".

Tudo isso é um simbolismo para servir de estímulo e de alerta para o praticante dentro do seu treinamento marcial, para jamais se esquecer do seu aprimoramento interior.

Espero que isto ajude a explicar bem por alto os símbolos associados ao hakama. Tem mais coisas, mas acho que por enquanto já está mais do que suficiente...


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Friday, February 20, 2009

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Considerações do sensei Ogi Manboku


Eu sei que ainda estou devendo as outras partes do artigo sobre a internacionalização do kendô. Mas antes disso, gostaria de disponibilizar algumas considerações muito interessantes, feitas pelo sensei Ogi Manboku, 9o dan Hanshi.

Ogi sensei nasceu em Fukuoka em 1897, dominou os estilos Katôda Shinkage-ryû e Tsuda Ichiden-ryû aos 18 anos. Formado em kendô pela Dai Nippon Butokukai, discípulo do Hanshi Naitô Takaharu. Professor da Kokushikan em 1939, participou do shiai perante o Imperador em 1940. Imagino que ele já tenha falecido agora. Caso contrário, ele deve estar com 102 anos de idade...

A revista Kendo Jidai publicou dois artigos com ele, sob a forma de bate-papo. Os artigos possuem algumas colocações interessantíssimas feitas por Ogi sensei e Egami Goro sensei, que acompanhou junto o bate-papo. E gostaria de disponibilizar aqui alguns trechos.

Os artigos estão publicados nos números 8 de 9 da revista Kendo Jidai, de 1987. A tradução é minha, como de costume.

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"(...) Eu disse ao Narazaki[1]: você morreu uma vez. Você morreu e renasceu. Quando você pratica zen, você é capaz de morrer com o mesmo espírito de Dôgen e Hakuin[2]. Esse é o ponto importante do kendô. Se você chegar nesse nível, você não precisa mais praticar zazen. Esse é o nível que o kendô te leva. Se você não errar nesse ponto, eu não tenho mais nada a dizer.(...)"

"(...) As pessoas de hoje em dia, independentemente da sua graduação, só treinam para ter uma boa aparência e causar uma boa impressão. Elas não tem o kendô que deveriam construir para si mesmas.(...)"

"(...)Os kendoka de hoje em dia, desde os de grau mais elevado até os de grau mais baixo, não treinam de verdade.(...) O verdadeiro kendô nasce de um treinamento levado às últimas conseqüências. E através de um treinamento rigoroso, é possível construir um espírito inabalável e um caráter de respeito.(...)

Eu treinei durante três anos, dos 18 aos 20 anos, na sede da Butokukai[3]. O treino daquela época é algo inimaginável às pessoas de hoje. Pode-se dizer que nós realmente púnhamos a nossa vida em jogo no treino. (...)

Hoje em dia, não treinam mais de verdade, ou seja, não treinam mais colocando a sua vida em jogo, ao contrário das pessoas de antigamente. Bom, não é exatamente um bom exemplo, mas imagine que o adversário veio com um tsuki. Então, você também também dá um tsuki, para não perder dele. Cada men, cada tsuki, cada golpe era como se fosse uma luta de verdade com espadas de verdade.

No começo, você fica com medo do tsuki. Mas se você persevera no treinamento, você deixa de sentir medo. Você tem que estar livre do medo e do terror sempre, independentemente do adversário. E isso é fruto do treinamento.

As pessoas de hoje em dia não treinam dessa forma. E mesmo assim, elas ensinam as pessoas. Isso é algo que causa ainda mais problemas. Veja um sandan dos dias de hoje. Ele é muito pior do que um shodan de antigamente, mas ele já vira um sensei e passa a ensinar às pessoas. Por isso, só fica trocando golpes, como se bastasse golpear para tudo estar certo.

Se a pessoa que ensina vem com essa postura de trocar golpes, então a pessoa que aprende vai achar que isso é o kendô. É por isso que o treino não gera um bom kendô.(...)"

"(...)(Egami sensei diz) Bom, é melhor praticar o kendô como ele é hoje do que não praticar nada. Mas o kendô das pessoas de hoje está longe do Caminho. Mas o que está errado? O treinamento atual não é o treinamento de verdade, sim. Mas acima de tudo, o espírito do kendô, a essência de tudo, não está verdadeiro.

Sendo seres humanos, é compreensível que as pessoas desejem obter graduações, honrarias e posição social. Mas essa ânsia está muito exagerada. Temos que começar corrigindo esse ponto. Por outro lado, se começar a implicar muito, ninguém mais pratica kendô. Por isso, precisa-se de tempo para construir um bom kendô, um ambiente digno para o kendô.

O que eu falei agora vale tanto para o mundo da política quanto para o mundo da educação. Esse é o estado em que o mundo está agora. Mas pelo menos, gostaria que as pessoas do kendô se dedicassem ao aprimoramento pessoal, priorizando mais a parte interior do ser humano.
Isso é algo muito importante, mas os senseis da antiga não verbalizam em palavras. Eles não querem verbalizar. Mas eu acho que eles têm o dever de falar sem reservas sobre essas coisas.

(...)(Ogi sensei diz) Sim, deve-se dizer o que deve ser dito. Um kendoka não pode ficar sem falar o que precisa ser falado, com medo de receber represálias. Pelo menos, as pessoas do 8o dan para cima, devem dizer claramente a verdade incontestável, usando palavras das quais o universo inteiro não se envergonharia. E isso é algo muito importante para melhorar o kendô de atualmente.(...)

Ultimamente, até as crianças do primário dizem coisas como 'eu não sei tal coisa, porque não me ensinaram' ou 'eu não sei tal coisa porque nunca me falaram'. Isso, no final das contas, vem da falta de treinamento para aperfeiçoamento como ser humano."

"(...) Já faz um bom tempo, mas certa vez, eu disse em uma reunião: 'imaginem que tem dois kendoka, que mantêm um bom maai entre eles. E um deles vence no seme e passa a pressionar o adversário. Este não consegue mais se manter no seu maai e retrocede três, cinco passos. Se isso acontecer, aquele que recuou deve dizer 'eu perdi'. E os árbitros, ao verem essa situação, devem dar ippon àquele que pressionou'.

Eu defendi isso, mas uma certa pessoa disse: 'sensei Ogi, mas isso não é viável. Como é um shiai, você tem que golpear o adversário. O ponto tem que ser válido por golpear o adversário, e não o contrário.'. Esse foi o argumento que me foi dado.
(...)
Olha, no kendô, no caso de um bushi, uma vez que você saca a espada, você tem que matar o adversário. Mas o verdadeiro kendô consiste em você ser capaz de levar a uma situação em que você não precise mais matar o adversário. Não é? A pessoa que falou aquilo para mim não entende essa verdade.(...)"

"(...)Você não pode criar nenhuma espécie de mal. Para isso, você precisa da coragem correta. E, para desenvolver a coragem correta, você precisa treinar corretamente. Acertar o oponente usando de subterfúgios, ou usar de técnicas e estratégias para vencer o shiai não é o treino correto. Você pode fazer essas coisas a sua vida inteira, mas você nunca vai ser capaz de desenvolver a coragem correta em benefício de todos.

Quando você tem a certeza correta de que está fazendo a coisa certa, então você ganha uma coragem inabalável e não recua diante de nada. Mas, para isso, você precisa do desenvolvimento adquirido através de um treinamento correto.(...)

Por isso, você pode treinar o quanto quiser para aprimorar suas técnicas para ganhar shiai. Você pode treinar o quanto quiser nas suas habilidades em golpear o oponente. Tudo isso não passa de kenjutsu, técnicas de espada. Todo o seu treino fica limitado a técnicas. Somente quando você tira essa sujeira chamada "técnica" da sua espada é que aparece o "caminho" da espada. Claro que falar é fácil, fazer é difícil. Mas eu empenhei a minha vida para chegar a esse ponto.(...)"

"(...) Muito tempo atrás, quando o Saimura sensei[4] ensinou Kendô Kata, ele disse: 'em princípio, o Kendô Kata é um conjunto de movimentos pré-estabelecidos executados a duas pessoas. Mas o kata é um shiai. Você tem que executar o Kendô Kata como se fosse uma luta de verdade.'(...)"

"(...) O Kendô Kata não pode ser modificado em nenhuma circunstância. Não é algo para ser modificado. Eu ouvi boatos dizendo que as pessoas da comissão de kendô kata haviam mudado algumas coisas do kata, para falar que fizeram alguma coisa. Isso não foi nada bom. (...)

(O repórter pergunta) Existiria alguma situação em que o Kendo Kata poderia ser mudado?(...)

(Ogi sensei responde) Não existe absolutamente ninguém nos dias de hoje que entenda kendô tão bem a ponto de ser capaz de mudar o Kendo Kata. Enquanto não surgir um novo Miyamoto Musashi ou um Yamaoka sensei[5], ninguém deve ousar colocar as mãos no Kendo Kata.(...)"

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Notas:

[1] Masahiko Narazaki, 9o dan hanshi, discípulo de Ogi.
[2] Dôgen: fundador do Budismo Soto Zen. Hakuin: um dos maiores monges do budismo zen da ordem Rinzai.
[3] Dai Nippon Butokukai, a organização que regia as artes marciais tradicionais japonesas antes da Segunda Guerra Mundial.
[4] Saimura Goro, 10o dan hanshi.
[5] Yamaoka Tesshû, um dos maiores espadachins da Era Meiji.


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Sunday, January 11, 2009

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A internacionalização do kendô - Parte 1


Esse é um trecho de um artigo EXCELENTE que foi publicado em setembro de 1996, na revista Kendô Jidai.

São as opiniões do hanshi Inoue Masataka sobre um tema que volta e meia vem à tona: a internacionalização do kendô.

Como este ano (2009) teremos o Mundial de Kendô no Brasil, achei que era mais do que oportuno disponibilizar esse artigo em português.

O artigo é divido em três perguntas, quais sejam:
1) O kendô pode participar das Olimpíadas?
2) Baseando-se no judô e nas outras modalidades, poderia dar a sua opinião sobre a internacionalização do kendô?
3) O Campeonato Mundial de Kendô pode continuar como está?

Neste post, vou publicar a primeira parte. As outras duas partes serão publicadas mais tarde (espero que não muito mais tarde!).

Antes de mais nada, sobre o hanshi Inoue Masataka: Nascido em Fukuoka, em 1907 (suponho que atualmente já esteja falecido - se estiver vivo, é digno de Guiness), é hanshi de kendô e kyôshi de iaidô. Foi, entre outras coisas, Conselheiro do Zen Nippon Gakkô Kendô Renmei, a Federação Japonesa de Kendô Estudantil.

E vamos para o artigo.

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(...)

--- 1) O kendô pode participar das Olimpíadas? ---

Para que os jovens possam sonhar, e para que os membros possam ter esperanças, atualmente (N.T.: isso em 1996, mas não deve ter mudado muito desde então) há várias iniciativas para a internacionalização do kendô, incluindo a inclusão do kendô como modalidade olímpica e a difusão mais pró-ativa do kendô fora do Japão. Entretanto, a minha conclusão sobre este tema é de que a participação do kendô nas Olimpíadas é algo impossível de acontecer. Mais do que isso, eu acredito que, baseando-se na essência do kendô, ele não pode nem deve participar.

Por quê? Como todos sabem, as Olimpíadas são regidas pela Carta Olímpica, que compreende todas as diretrizes fundamentais relativas aos Jogos.

E, no primeiro capítulo da Carta, está escrito que "os Jogos Olímpicos serão realizados a cada quatro anos, sendo que o evento deverá convidar atletas do mundo todo, dentro das condições e situações mais equânimes possíveis".

Essas "condições e situações mais equânimes possíveis" significam a igualdade da difusão e da força da modalidade. Entretanto, no caso do kendô, há pouquíssimos países que oferecem a prática e há um desnível extremamente significativo em termos de população e nível de habilidade, de acordo com cada país. Assim, o kendô não preenche as condições para ser considerado uma modalidade olímpica, sendo o motivo principal para a sua não-inclusão nos Jogos Olímpicos.

(N.T.: A Carta Olímpica (Olympic Charter) parece ter sido alterada desde então. O documento disponível atualmente no site do COI não faz nenhuma mênção a esse trecho a que o hanshi se refere. Vide http://multimedia.olympic.org/pdf/en_report_122.pdf )

Mesmo que o kendô possa solucionar a difícil questão da falta de difusão em muitos países, o kendô possui uma característica inerente que impossibilita de maneira definitiva a sua inclusão como modalidade olímpica.

Essa característica é "ausência de critérios absolutos para o ippon".

Os Jogos Olímpicos são uma competição extrema, em que a diferença entre cada competidor é milimétrica. Por outro lado, o kendô possui uma visão bem menos extrema, em que um golpe pode ou não valer um ponto. Dada essa visão, é impossível que ele possa sobreviver aos embates ferrenhos entre os países, que podem ser vistos durante os Jogos.

Dentro das modalidades olímpicas, há algumas cuja presença é obrigatória, como as modalidades atléticas, aquáticas e ginásticas. Mas os demais podem ser adicionados ou descartados de acordo com as decisões do COI (Comitê Olímpico Internacional). Assim, mesmo modalidades recentes como o judô podem virar modalidades olímpicas, desde que tenham o aval de países poderosos, como os Estados Unidos e a Europa.

Entretanto, o kendô está em uma situação completamente distinta com relação ao judô. Comparativamente ao judô, o kendô possui uma difusão, compreensão e interesse muito reduzidos dentro da população mundial. E é muito lógico afirmar que a participação do kendô nos Jogos Olímpicos é um sonho muito distante.

É claro que há a esgrima ocidental, uma modalidade que foi inclusa nos Jogos Olímpicos desde cedo. Ela possui três categorias: sabre, florete e espada, sendo que o sabre é o mais similar ao kendô.

Mas, mesmo o sabre da esgrima ocidental possui diferenças fundamentais com o kendô, quais sejam a postura interior, a atitude com que uma luta é realizada, e a forma como a arbitragem é feita.

Um kenshi obtém um ponto (ippon) quando ele acerta o espírito do oponente. Por outro lado, na esgrima, o esgrimista obtém um ponto quando causa um toque, um impacto determinado no corpo do oponente.

Por isso, em uma luta de esgrima podem ser vistos cabos diversos, que detectam o impacto da arma no corpo do oponente e acendem uma luz para marcar o ponto. Não há nenhuma presença de elementos mais espirituais, como o seme, o kuzushi ou ainda o kyojitsu.

(N.T.: seme é a energia e a postura de ataque, kuzushi é a desestruração física e mental do adversário e kyojitsu é o conceito de vazio e cheio. Todos são conceitos básicos e muito presentes no kendô)

Essa é a diferença fundamental entre o kendô e a esgrima olímpica. A esgrima possui um critério objetivo e absoluto de pontuação - a lâmpada acesa - e assim a arbitragem pode sempre ser feita de maneira clara. Assim, ela pode ser inclusa sem problemas nos Jogos Olímpicos.

Todavia, o kendô não possui critérios objetivos e absolutos de pontuação e a decisão sobre quem é o vencedor é sempre feita de forma subjetiva e freqüentemente obscura para os leigos. Assim, é impossível que o kendô seja incluído em um evento tão competitivo quanto as Olimpíadas.

Além disso, como eu já escrevi,
eu acredito que, baseando-se na essência do kendô, ele não pode nem deve participar nos Jogos. Isso porque há o risco do kendô se tornar puramente competitivo, implodindo pela base o espírito que rege o kendô.

Eu tenho esse sentimento a cada vez que eu assisto às lutas de judô olímpico. O judô de antigamente era algo realmente belo e forte.

Os dois lutadores se postavam altivos como árvores de cedro, segurando firme no colarinho e na manga, atacando e não deixando ser atacado. E o golpe decisivo, executado quando a energia do lutador atingia o máximo, era algo maravilhoso que enchia os olhos, fazendo-nos entender como deveria ser uma arte marcial tradicional japonesa.

Esse golpe decisivo (ippon) era a essência do treinamento de vários anos e era uma manifestação da atitude decisiva, na qual se empenhava a sua própria vida, uma característica bastante nipônica.

Entretanto, o judô de atualmente (N.T.: 1996 - não mudou muito desde então) luta de uma forma que nós leigos não conseguimos aceitar muito bem. Os lutadores não tentam projetar o adversário desde o começo. Ao contrário, eles mantêm seus quadris bem longe do oponente, tentando puxá-lo para o chão e dominá-lo utilizando a força bruta. Há muita coisa no judô atual que eu creio que levaria às lágrimas o sensei Kano (N.T.: Jigoro Kano, fundador do judô Kodokan) e o judô tradicional.

Até mesmo o judô mudou completamente quando foi para os Jogos Olímpicos. Imagine se o kendô for para as Olimpíadas e passar a ser puramente competitivo? Eu tremo só de pensar no quão horrendamente desfigurado ficaria o kendô.

Diz-se que o kendô é um embate para pessoas de elevada nobreza. Ele é um combate travado entre dois espíritos. Ter uma atitude de batedor de carteiras, tentando roubar um ponto a qualquer custo é algo muito distante do kendô e muito distante do desenvolvimento interior que o kendô deve propiciar.

Ver essa bela chama do espírito do kendô ser apagada impiedosamente no grande palco mundial que são os Jogos Olímpicos é o que mais me deixaria triste e é algo que deve ser impedido a todo custo.

O kendô sem alma é um canário que não sabe mais cantar. Um kendô cuja essência for deturpada e cuja tradição for extinta é algo que não possui nenhum valor e não merece existir. Deve-se evitar a todo o custo para que a emenda não saia ainda pior que o soneto, no que os japoneses dizem como "matar o boi ao remover seus chifres".

Não nos é admissível que matemos o kendô ao removermos a sua essência para que possa ser admitida como uma modalidade olímpica. Não devemos nos deixar seduzir pelas trombetas olímpicas; ao contrário, agora é a hora de contemplarmos silenciosamente a beleza tradicional que é inerente ao kendô.

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Esse é o fim da primeira questão. Depois eu pretendo postar as demais partes desse artigo.

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Thursday, September 14, 2006

Post UID: 115820741373943653 

Texto PUBLICADO NO BRASIL sobre kendô EM 1940


Depois de uma longa pausa, um novo post. Novamente, é um post que está no Orkut, mas como nem todos têm acesso, disponibilizei aqui também.

Antes de mais nada, acho melhor dar umas explicações preliminares.

Antes da Segunda Guerra Mundial, não existia a Confederação Brasileira de Kendô (CBK). O que existia era uma organização chamada Hakkoku Jûkendô Renmei 伯国柔剣道連盟 ("Federação de Jû(dô)kendô do Brasil"), que congregava as duas artes marciais japonesas mais proeminentes na época: judô e kendô. A separação, no Brasil, do judô e do kendô, aconteceu somente depois da WWII.

Infelizmente, pouquíssimas pessoas hoje conhecem ou até mesmo têm uma idéia de como eram as coisas daquela época. Principalmente sobre o kendô, existem poucas informações disponíveis - uma das pouquíssimas fontes de informação é o site da Kendô Brasil, mas mesmo lá existem poucas informações.

Apesar da distância geográfica entre Brasil e Japão, os treinos aqui eram equiparáveis aos treinos do Japão. O motivo era bem simples: TODOS os senseis eram japoneses e foram treinados lá. Só para citar alguns nomes, alguns dos senseis mais famosos da época eram Eiji Kikuchi sensei, 5o dan, Matsumaro Sakurada sensei, 3o dan, Midori Kobayashi sensei, 3o dan, Ryûsuke Murakami sensei, 3o dan. O judô era representado por senseis como Ôkôchi sensei (que depois seria 8o dan de judô Kodôkan). Tinha também o Hayashi sensei, que era praticante de iaijutsu (na época não existia Seitei Iai).

Vamos lembrar que o significado das graduações da época também era bem diferente da atual. O 1o dan daquela época (shodan) equivaleria mais ou menos ao 3o dan atual.

Na época, existiam torneios nacionais de Budô e não somente de kendô ou de judô. Existem algumas anedotas bastante interessantes referentes a esses torneios, mas isso não vem ao caso.

Em 1940, teve o Oitavo Zen-Haku Budô Taikai 第八回全伯武道大会 ("Torneio Brasileiro de Budô"). E, após o torneio, foi publicado um artigo sobre o treinamento em kendô voltado para os iniciantes. Eu fiz uma tradução do artigo e gostaria de disponibilizá-lo aqui. É um texto bastante raro e imagino que seja desconhecido da grande maioria das pessoas.

Gostaria de chamar a atenção pela seriedade com que o kendô era tratado na época. Claro que atualmente, o kendô também é tratado de forma muito séria, mas algumas nuances são diferentes. O direcionamento dos treinos e o seu conteúdo dentro do kendô pré-guerra no Brasil (vamos lembrar que estamos falando do Brasil!) era algo bastante rigoroso e não tinha quase nada de esportivo, sendo realmente uma arte marcial. Existem histórias que reforçam a ênfase dada na época sobre o aspecto da arte marcial e do desenvolvimento interno do praticante. A própria declaração da Hakkoku Jûkendo Renmei na revista "Butoku", publicada pela organização, atesta isso.

Bom, vamos ao artigo de 1940. Espero que o artigo possa dar mais ou menos uma idéia de como o kendô era encarado no Brasil nessa época.

Lembrando novamente que é um artigo voltado para iniciantes.

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DIRECIONAMENTO DO TREINAMENTO PARA OS PRINCIPIANTES

ANTES DE MAIS NADA, UMA BASE CORRETA
DEPOIS, O APERFEIÇOAMENTO DO KI[1], DO CORPO E DA
TÉCNICA

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Ao ver o Oitavo Zen-Haku Budô Taikai, existem inúmeras coisas que um iniciante deve ter em mente para poder se desenvolver. Mas, ao invés de focar em medidas práticas, como ter um número constante de treinos ou sempre dar o máximo de si, vamos falar um pouco sobre os pontos básicos principais.

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Um iniciante costuma ter o sonho de se tornar um "yûdansha" 有段者[2] de renome ou de se tornar um grande espadachim. Entretanto, vestir depois de pouco ou nenhum tempo de treino os equipamentos e começar a lutar não é de forma alguma o caminho do aperfeiçoamento. Muito pelo contrário, isso faz com que os talentos naturais de cada pessoa sejam completamente aniquilados, eliminando a capacidade de desenvolvimento da pessoa. Assim sendo, deve-se sempre ter em mente que devem ser tomados os passos corretos e manter um aperfeiçoamento constante para que se possa ter uma compreensão mais profunda da arte.

O caminho para o desenvolvimento possui três grandes etapas: a primeira é o treino de base; a segunda é o desenvolvimento físico; e o terceiro é o desenvolvimento em paralelo do espírito e das habilidades.

Na primeira etapa, que é o treinamento de base, deve-se treinar corretamente a postura, o kamae 構え[3], a movimentação corporal, a forma de empunhar a espada (shinai)[4], a forma de corte e estocada, o uchikomi 打ち込み[5] e o kirikaeshi 切り返し[6] , entre outros aspectos.

Quanto mais longo for este processo, maior vai ser o desenvolvimento que o praticante irá atingir posteriormente. Por outro lado, quando este processo não é muito enfatizado, obviamente o desenvolvimento do praticante será pequeno. Além disso, como este processo é algo que não desperta interesse, é normal que existam pessoas que desistam no meio. Isto deve ser fortemente evitado.

Se formos nos aprofundar nas nuances desta primeira etapa, temos os seguintes fatores:

1) Postura. A postura deve partir do "shizentai" 自然体[ 7], ou seja, mantendo o corpo reto de forma sincera. Os dois cotovelos devem estar levemente estendidos, a parte superior do corpo deve estar apoiada firmemente sobre os quadris, o queixo deve estar retraído e deve-se colocar força no "tanden" 丹田[8]. Os dois ombros devem estar sem força e levemente abaixados, a cabeça deve estar olhando diretamente para a frente. E a posição das pernas deve estar de acordo com o tamanho do seu passo (a perna direita à frente, os dois pés paralelos; a distância entre as pernas deve ser de aproximadamente 3 cm).

2) Deve-se treinar nesta postura até que se possa avançar e recuar de forma rápida, fluida e leve. A movimentação corporal é importante.

3) Deve-se treinar a forma com que se deve segurar a espada (shinai) e posicioná-la com relação ao seu corpo em kamae. Deve-se segurar leve, como se estivesse torcendo um pano. A ponta da espada deve estar na altura da sua garganta e o seu punho esquerdo deve estar a um punho de distância do seu umbigo.

Este kamae, chamado de "seigan" 正眼[9] influencia profundamente tanto no aspecto técnico quanto no aspecto interior do praticante. Por isso, este kamae deve ser treinado corretamente.

4) A forma de golpear. Para o primeiro golpe, o "shômen" 正面[10], deve-se segurar a espada, erguê-la sobre a cabeça e cortar verticalmente para baixo. Ou seja, deve-se treinar de forma a corrigir o "hasuji" 刃筋 (ângulo de corte), colocar força no baixo ventre e cortar com toda a energia do corpo e da mente.

O treinamento para cortar o "kote" 篭手[11], o "dô" 胴[12] e o treinamento para o "tsuki" 突き[13] é análogo. É de suma importância neste processo que se aprenda a forma de corte, o "tenouchi" 手の内[14] correto, incluindo a mão que empurra, a mão que puxa e a torção do pano.

Mesmo com um shinai na mão, deve-se sempre agir como se estivesse portando uma espada de verdade para cortar o oponente. Esta é a diferença fundamental entre a verdadeira prática do kendô e uma mera troca de golpes de espadas de bambu. As críticas existentes atualmente (N.T.: estamos falando de 1940!) sobre os rumos que o kendô está tomando certamente são referentes a este ponto.

Uma vez que os movimentos básicos do corpo e da espada estiverem assimilados, o passo seguinte é o treinamento exaustivo de "uchikomi" e "kirikaeshi" . Este treinamento permite aprimorar a técnica, fortalecer o físico, principalmente dos braços e dos quadris, aperfeiçoar a movimentação corporal, sincronizar o "shin" 心[15], o "ki" 気 e o "riki" 力 (força) e desenvolver um espírito forte, corajoso e inquebrantável. Por isso mesmo, um iniciante deve se lançar a este treinamento com o máximo de vontade, determinação e concentração.

Diz-se que somente este treinamento de "uchikomi" e "kirikaeshi" leva de dois a três anos de treinos intensivos.

A segunda etapa consiste não apenas do aperfeiçoamento das técnicas, mas também do "ki" e do físico. O treinamento passa a ser centrado em meios envolvendo um oponente à sua frente. Começa a surgir aqui o valor e o aperfeiçoamento prático das técnicas. Entretanto, deve-se manter em mente que todas as técnicas devem ser treinadas e assimiladas, sem se ater apenas às suas técnicas preferidas.

Além disso, deve-se pesquisar também o "rigô" 理合[16] das técnicas, treinando sempre contra pessoas mais fortes, ou seja, os mestres e os mais velhos. É vital que se treine muito o "kakarigeiko" 懸かり稽古[17] para que se possa ter uma postura imponente no ataque e para forjar as técnicas. Além disso, suportar o sofrimento deste tipo de treinamento também faz parte do verdadeiro aperfeiçoamento.

Paralelamente, deve-se praticar ocasionalmente o "shiai" 試合, o combate em si, para exercitar os reflexos, a tomada de decisões e a coragem.

A terceira etapa consiste em um burilamento holístico do "ki", do corpo e das habilidades. Nesta etapa, o praticante deve pesquisar e experimentar diversas possibilidades, visando o amadurecimento e a naturalidade das técnicas, colocando todas as suas forças no desenvolvimento do seu espírito para o aperfeiçoamento, refinamento e molde do seu caráter. Apenas a partir deste ponto é que se começa a se adentrar no verdadeiro campo do kendô.

Assim, o esforço permanente e a motivação/determinação férrea a cada etapa é fundamental, não apenas para os iniciantes, mas para qualquer praticante que busca o caminho e deseja se aperfeiçoar. Em particular, o entusiasmo sincero do iniciante é algo que deve ser alimentado até o final.

Notas:

[1] "Ki" é um conceito que não possui equivalente em português. Literalmente seria "ar", mas neste caso, é um conceito que engloba vários aspectos como energia, atitude e determinação.

[2] Pessoas graduadas. Seria o equivalente a "faixa preta", em uma tradução bastante pobre.

[3] Formas e posturas de segurar a espada. No caso do kendô, existem cinco posturas fundamentais: Chûdan 中段, Gedan 下段, Jôdan 上段, Hassô 八相 e Wakigamae 脇構え.

[4] A shinai 竹刀 é o equivalente a uma espada de bambu para treinamento. É bastante interessante notar que o artigo sempre se refere primariamente à katana (espada), deixando a palavra "shinai" sempre entre parênteses.

[5] Treinamento para golpear o oponente.

[6] Um dos treinamentos mais fundamentais do kendô, consistindo de seqüências de golpes visando a têmpora, entre outras coisas.

[7] Postura natural, ereta e totalmente relaxada.

[8] A região do triplo aquecedor. Está localizado mais ou menos a três dedos abaixo do umbigo.

[9] Atualmente chamado também de "chûdan". Dependendo do estilo, há diferenças entre "seigan" e "chûdan".

[10] Golpe visando a cabeça do oponente.

[11] Golpe visando o antebraço do oponente.

[12] Golpe visando o torso do oponente.

[13] Estocada.

[14] "Tenouchi" significa literalmente "interior da mão". Não tem um equivalente em português, mas seria o equivalente à dinâmica das mãos e dos pulsos.

[15] "Shin" ou "Kokoro", seria o equivalente à mente, o espírito.

[16] Seriam os princípios que regem a técnica, a sua essência.

[17] É um dos treinamentos mais exaustivos do kendô, onde o praticante deve atacar sem parar, sem se preocupar com a defesa.


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Tuesday, May 23, 2006

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Sabedoria dos Índios Norte-Americanos


Sim, eu sei que os índios norte-americanos não têm muito a ver com arte marcial japonesa. Entretanto, as frases refletem muito bem muitos dos ensinamentos que existem no kendô/kenjutsu e artes correlatas, embora utilizem palavras e conceitos diferentes. Por isso, achei que valia a pena colocar essas frases aqui neste blog.

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"Faça com que cada passo que você dê seja uma oração para que você sempre esteja trilhando um caminho sagrado."

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Se, em tudo o que você faz, você reverencia com sinceridade Aquele que está no Alto, então você está reverenciando ao Criador. A sua reverência deve ser tratada com respeito, desde que ela não trespasse os direitos do outrem. Você não precisa compreender nem concordar com o outro para respeitar os caminhos que ele trilha. Liberdade de pensamento e de crença devem ser estendidas a todos, não apenas àqueles com quem você concorda. Há sempre mais de um significado, uma compreensão ou uma voz. O caminho da vida é trilhado lado a lado por muitos. Não é possível conhecer todos os segredos, alegrias e vergonhas dos corações dos outros, assim como não é possível que eles conheçam os seus. Vocês são apenas companheiros de jornada, não juízes.

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Viva a sua vida de forma que o medo da morte jamais encontre abrigo no seu coração e guie os seus passos. Todos os dias, ao acordar, agradeça por tudo. Agradeça pela sua vida, força, relacionamentos, pela alegria de viver, pelo seu sustento e até mesmo pelos seus problemas. Os seus problemas dão a oportunidade para que você possa ser uma pessoa melhor. Se você não encontra nenhuma razão para agradecer, então tenha a certeza que a culpa é sua e não dos outros. Para os Creeks tradicionais, todos os dias são dias sagrados -- cada migalha é um lauto banquete.

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O que é o Silêncio? É a voz dAquele que está no Alto. O som é a voz da criação, não do Criador. Mantenha silêncio com freqüência para ouvir a voz do Criador. Os frutos do Silêncio são o autocontrole, força, coragem, paciência, resistência, dignidade, sabedoria e reverência. O silêncio é o alicerce do caráter. O silêncio é o equilíbrio perfeito da Mente, Corpo, Espírito e Alma. Há mais de um tipo de Silêncio. Uma bela flor é silenciosa aos ouvidos mas é música aos olhos.

Silêncio é a voz do Criador - o som é a voz da Criação. O riso é a voz da Alma -- o Amor é a voz do coração. O Silêncio pode ser um alimento -- saiba qual fome ele sacia. Ouça bem alto mas fale em sussurros. Faça com que o Silêncio seja o seu lema exceto quando o dever o obriga a falar. Guarde a sua língua -- a sua arma mais perigosa. Ao contrário da espada, os ferimentos causados pelas palavras não são facilmente visíveis nem são facilmente curados. Guarde a sua língua durante a sua juventude e na sua idade avançada você poderá expressar um pensamento que possa ser útil ao seu povo. As suas ações falam mais do que as suas palavras. Controle as palavras ou elas irão controlá-lo.

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Há apenas o Um mas muitos são os Nomes: Mestre do Sopro, Criador, Deus, Senhor e Tudo o que é, foi ou virá a ser. Aquele que está no Alto é eterno, invisível aos olhos mas visível ao coração. O Criador é onisciente, onipotente e é um poder puro e ímpar, restrito por sua própria vontade pela ordem natural. Tudo o que é, vive e move de acordo com essa ordem.

Aquele que está no Alto é impessoal, mas pode ser conhecido pessoalmente por todas as criações. Aquele que está no alto pode ser individualmente vivenciado através de toda a criação: através de animais, pássaros, répteis, nuvens, montanhas, rios, lagos, planícies, florestas, mulheres, crianças, homens, sonhos -- pedras angulares da realidade -- através de qualquer coisa com forma, substância, propósito ou lugar. Criador e Poder são inseparáveis e imparciais. Todas as coisas da criação têm o mesmo acesso a esse Poder.

Aquele que está no alto é grandioso. Aproxime-se dele com reverência, oração, sacrifício, jejum, caridade e vigilías silenciosas e solitárias. Aquele que está no Alto pensou bem em todas as coisas para que elas sejam como elas são. Assim, todas as coisas têm propósito e significado para Aquele que está no Alto, embora pouco possamos compreender. O Criador tem amor e
carinho por todos.

Além disso, todas as coisas, todas as divisões e todas as partes de todas as coisas e divisões têm duas naturezas -- assim como o Poder tem duas naturezas. Todas as escolhas corretas resultam em equilíbrio. Todas as escolhas egoístas levam à destruição da parte e depois do todo.

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O Amor é o cimento que junta as partes da vida ao Todo. Onde não há Amor há apenas existência, não vida. Amor não é uma emoção. Amor é uma atitude, uma escolha moral e um comprometimento com um caminho. A memória define uma vida de um indivíduo. A memória coletiva define um povo. Memórias desonestas são a maior mentira e o crime mais pesado de uma nação. O Amor é a forma mais pura de memória. Expresse o Amor através dos seus atos -- não através das suas palavras.

O Serviço, que é o Amor materializado sem julgamento, é a expressão mais alta de Amor e é a maior das experiências que uma pessoa pode vivenciar -- é uma forma de reverência. Todas as Crianças dAquele que está no Alto são chamadas para algum tipo de Serviço. O Amor não materializado não é benéfico e muitas vezes é danoso.

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Nada lhe pertence. Você apenas é um guardião. O seu Corpo é físico. Ele veio da Mãe Terra e para Ela irá retornar. A sua vida, chamada Alma, veio do Autor da Vida e da Fonte da Criação. O seu Espírito é a interação entre a sua Alma e o seu Corpo. Os limites do seu Espírito são os limites da sua vida. A longevidade do Espírito depende da memória dos outros - quando as memórias cessam, o espírito não mais vive. A Alma é imortal e não depende da memória humana para existir porque a Alma é parte dAquele que está no Alto, cuja memória é infinita.

Você é apenas um guardião da Alma. Um dia, você terá que prestar contas das suas ações, feitos e fracassos. A imortalidade da Alma já deveria ser uma razão suficiente para trilhar o caminho correto - uma vida de Serviço.

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Pecado é transgredir a lei dAquele que está no Alto -- a ordem natural, que traz consigo a sua própria punição. Isso não é do seu interesse, a não ser que você seja o pecador. Crime é transgredir a lei da Tribo, a vontade das pessoas. Desta forma, deve ser punido, corrigido ou perdoado de uma forma justa pela tribo. Nem sempre o crime e o criminoso andam juntos. É uma injustiça ver um criminoso escapar da punição, mas é uma injustiça ainda maior ver um inocente ser punido.

Aquele que está no Alto não é um animal faminto exigindo vítimas para si.

Aquele que está no Alto não deseja a destruição. O Criador nos pôs aqui para descobrirmos o Amor - uma atitude, Serviço - um padrão de vida, Compreensão -uma responsabilidade, e Gratidão - uma ação. Aquele que está no Alto não ensinou ódio, cobiça, inveja, mentira e medo. Fomos nós quem descobrimos tudo isso porque nós nos esquecemos dos nossos Ensinamentos Originais. Às vezes optamos pelas trevas ao invés da luz e esquecemos de prestar atenção às nossas memórias. As nossas escolhas realmente nos ajudam a tornar o que somos.

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Um grande ser humano silenciosamente abdica de si para cumprir a vontade da nação quando necessário. Poucos irão saber disso. Um grande ser humano não busca tal tipo de atenção. Os mesquinhos fazem um grande estardalhaço do que eles pensam e do que eles fazem. Eles jamais fazem mênção às necessidades dos outros. A pergunta que eles sempre fazem é: O que existe aí para mim? A música que eles tocam sempre começam com sons que significam "Eu" e "Meu". Os seios deles estão repletos de leite azedo.

Os grandes ou os nobres perdoam mas jamais esquecem. Eles lembram a lição e não cometem omesmo erro. O perdão é a mãe da fortaleza moral e é o pai da retidão do caráter. O tolo jamais lembra e sempre comete os mesmos erros de várias formas diferentes. A memória é o bem mais precioso de uma pessoa e é um instrumento sagrado. Honre-a!

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No fim das contas, nós somos o nosso pior inimigo - e também o nosso melhor amigo. Seja respeitoso para com todos mas não se prostre a ninguém. Se você não consegue solucionar um problema, tome cuidado: ele pode solucionar você.

A Alma de um Índio pode se tornar Um com a terra mesmo se não possuir nenhum título de propriedade a ela. Se você possui a terra mas a sua Alma não é Una com ela, então você não pode ser um Índio, independentemente da sua linhagem. Estereótipos são sombras vazias aos quais os ignorantes se agarram.

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Friday, April 28, 2006

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Os poemas de Ikkyu Sojun


Apenas a titulo de curiosidade, seguem os poemas de Ikkyu Sojun sobre Xintoismo, Confucionismo e Budismo.

- Xintoismo: "Shojiki ni / kokoro sunao ni / nanigoto mo // yokoshima naki wo / shinto to iu"
"Chama-se de Xintoismo a pureza em todos os aspectos, sempre procedendo de forma sincera e verdadeira no seu coracao"

- Confucionismo: "Rihi wo wake / kuni wo shugo shite / mi wo tadashi // tami wo sukuu wo judo to wa iu"
"Chama-se de Confucionismo a divisao do certo e do errado, a protecao do pais, a correcao de si proprio para salvar o povo"

- Budismo: "Nenbutsu wa / mousazu to te mo / senshin ni // nasake ya jihi wo / butsudo to iu"
"Chama-se de Budismo a compaixao e a misericordia espontaneas e verdadeiras, mesmo que nao se recite nenhum sutra"

Sao tres poemas que, em minha opiniao, resumem muito bem do que se trata cada uma das tres correntes filosofico-religiosas.

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Sobre kenjutsu e kendo atraves do kendo kata


Eu postei no Orkut faz um tempo um pouco da minha visao sobre kenjutsu/kendo, usando como exemplo o kendo kata. Acho que vale a pena publicar isso no blog.

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O kenjutsu/kendo e' fundamentalmente baseado em tres pilares filosofico-religiosos: o xintoismo, o confucionismo e o budismo. Aproveitando poemas que foram escritos por Ikkyuu Soujun, um dos maiores monges japoneses da historia, pode-se dizer de forma BASTANTE simplificada que:

- do Xintoismo, o kenjutsu herdou a pureza e a retidao;
- do Confucionismo, o kenjutsu herdou o espirito de salvar as pessoas e proteger o pais/mundo;
- do Budismo, o kenjutsu herdou os ideais de compaixao e misericordia.

Um dos ensinamentos do estilo de kenjutsu que eu pratico e' taxativo: "as Tecnicas (jutsu) que nao estiverem de acordo com o Caminho (do) nao podem ser chamadas de Tecnicas".

E o Caminho da espada, dentro do escopo do kenjutsu japones, nao se trata somente de "deter a ponta de lanca", que e' um conceito popularmente visto para definir artes marciais. Essa visao e' essencialmente chinesa e, embora tenha influenciado grandemente o pensamento japones, deve-se manter em mente que o kenjutsu japones nao possui uma perspectiva de 'reacao', mas sim de 'acao', como fala Sasamori Junzo sensei, falecido Soke do Ono-ha Itto ryu. Dentro da perspectiva japonesa, a espada e' um instrumento sagrado para a CRIACAO, e nao para deter alguma coisa. Kunii Zen-ya sensei, falecido Soke do Kashima Shin ryu, fala coisas similares.

Dentre os tres objetos sagrados (espada-espelho-joia), a espada e' o unico que e' capaz de gerar Dois a partir do Um, de gerar Tres a partir do Dois, de gerar Quatro a partir do Tres, de gerar Cinco a partir do Quatro e com isso gerar todas ("Dez Mil") as coisas. As lendas sobre o kenjutsu dizem que um homem com sangue divino (Yamato-takeru-no-mikoto) gerou tres posturas e posteriormente um dos maiores generais japoneses (Minamoto-no-Yoshiie, se nao me engano) gerou cinco posturas a partir desses tres.

Isso se reflete diretamente no Kendo Kata moderno. As tres posturas sao Jodan, simbolizando o Ceu; Chudan, simbolizando a Terra; Gedan, simbolizando o Homem. Estas sao as Tres entidades, criadas a partir do Um. A ordem e' a representacao mitologica da criacao - o Ceu criando a Terra e a Terra criando o Homem. Sao criacoes que refletem a retidao e, por isso, todos os tres kamaes partem do centro.

A partir deles, surgiram mais dois - o Ying, representado pelo Hasso, e o Yang - representando pelo Wakigamae - introduzindo o conceito de lateralidade e, por conseguinte a de Tempo e Movimento. A Criacao - O Ceu, a Terra e o Homem - em Movimento geram todas as outras coisas. Os tres primeiros kamaes exploram a linha vertical (Jodan-Chudan-Gedan), simbolizando os inumeros planos da Criacao, e os dois ultimos exploram a linha horizontal (a lateralidade), simbolizando a extensao de cada plano da Criacao. Juntando-se as duas linhas, tem-se o simbolo de uma cruz. E essa cruz em movimento no sentido horario e' representado pela suastica, que em japones se chama "Manji", ou seja, "Dez Mil letras", simbolizando toda a Criacao.

E' interessante notar que a suastica nazista mostra o movimento anti-horario e a cruz esta' torta, sendo um simbolo diametralmente oposto 'a suastica budista. E por que o movimento e' no sentido horario? Porque isso simboliza o movimento de contracao, ou seja, toda a Criacao pode ser reduzida em Um, ressaltando que a Criacao e' Um. Esse simbolismo existe tambem no kenjutsu/kendo. O Ono-ha Itto ryu, um dos estilos que mais influenciaram o kendo, afirma que um dos motivos pelo qual o estilo se chama Itto - uma espada - e' porque do Um se gera Dez (cujo ideograma e' uma cruz) e do Dez se depreende o Um.

Assim, todo esse simbolismo esta' presente no Kendo Kata e a sua ordem, como se pode ver, nao e' de forma alguma fruto do acaso. Mas fico pensando quem ja' se indagou por que o primeiro kata do Kendo Kata e' em JODAN e nao em Chudan, se o Kendo coloca uma enfase muito mais forte no Chudan do que no Jodan...

Por isso, um praticante de kenjutsu-kendo, a meu ver, nao tem NADA a ver com ser samurai, com ser honrado, com servir, com dar a vida, com tirar a vida, com lutar, com nao lutar, com bushido, com bullshit-do, com qualquer outra coisa que o valha. Tem a ver com se tornar Um com a Criacao (o Universo), de forma que seja uma encarnacao/avatar da Criacao vivendo na face da Terra. E, uma vez que o praticante se torna Uno com o Universo, ele pode se manifestar da forma que quiser a sua Uniao, servindo quando tem que servir; comandando quando tem que comandar; tirando a vida quando tem que tirar; dando a vida quando tem que dar; lutando quando tem que lutar; pacificando quando tem que pacificar. Isso para mim e' uma pequena amostra do que se trata o kenjutsu/kendo. Concentrar-se em ser samurai, com valores morais, com bushido, com dar a vida e' certamente valido, mas para mim e' tomar os pes pelas maos, tentar atingir as consequencias sem incorporar as causas.

E quantas pessoas atualmente chegaram nesse nivel de existencia? Dificil dizer. Mais do que isso, sendo seres humanos passiveis de falhas e defeitos, nao sao poucos os que se apegam ao status imaginario de praticar tradicoes e tudo o mais. Ou seja, temos que manter os pes no chao. Nao e' porque pratica koryu que voce se torna um grande ser humano. Muito pelo contrario, dependendo do caso, voce se torna uma pessoa ainda pior. E isso e' verdade em qualquer canto do mundo. Nao e' porque e' japones que e' necessariamente integro, que e' certamente original, que e' indubitavelmente correto. Nao e' porque uma pessoa e' sensei/mestre/whatever que ela vai ser uma pessoa sem defeitos ou que ela vai certamente trilhar um bom caminho. Por isso, cabe a cada um estudar e ver as coisas com clareza. Ingenuidade e' frequentemente confundida com pureza e boa vontade. Se voce quiser acreditar que uma pessoa pouco capacitada e' o seu mestre, entao siga em frente, mas certamente ira' arcar com as consequencias.

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Sunday, January 15, 2006

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2006 - Ano Novo, mesma demora


Passo um tempo sem mexer neste blog e quando noto já virou o ano. Antes de mais nada, Feliz Ano Novo para quem lê este blog (se é que ainda tem algum louco que lê isto aqui).

Notei que essa história de manter um blog é só para quem realmente gosta e/ou para quem tem um bom tempo livre em mãos. Atualizar isto aqui dá mais trabalho do que eu tinha imaginado quando comecei este blog.

Notei também que estou soando como se fosse um blogger de verdade.

Mas, para que este post não fique com cara de blog diarinho mesmo, vou postar dois textos que eu disponibilizei no Orkut e em uma lista de e-mail. São textos que eu considero muito bons, versando sobre a parte espiritual do kendô e do kenjutsu.

O primeiro texto é do Mochida Seiji (Moriji) sensei. Para quem não sabe, ele foi um dos maiores expoentes do kendô no século XX. Foi também um dos vencedores de um dos torneios imperiais de kendô e um dos primeiros a ganhar o 10o dan (atualmente extinto). Apenas a título de curiosidade, ele também foi um mestre de koryû kenjutsu, algo que nem todos sabem.

O segundo texto é do Shirai Tooru sensei. Ele foi um dos "três corvos" do estilo
Nakanishi-ha Ittô-ryû e fundador do Tenshin Ittô-ryû. A história dele é muito interessante: ele foi invencível nas lutas de shinai kenjutsu (o precursor do kendô moderno como conhecemos hoje) e achava que tinha atingido o ápice da arte. Aí, um dia, ele teve que largar o dojo em que ele dava aula por causa da saúde da sua mãe e voltou para sua terra natal. Depois que viu que a mãe estava bem, ele resolveu visitar um dos companheiros mais velhos de treino dele, o famoso(?) Terada Gôuemon. Ele já tinha uma idade bastante avançada para a época, mas mesmo assim os dois concordaram em fazer uma luta para ver como estava o nível do outro. Para a surpresa do Shirai, o Terada simplesmente arrasou com ele. E isso porque o Shirai era mais jovem, mais forte, mais rápido e supostamente invencível em shinai kenjutsu. Pasmo, ele perguntou como ele tinha perdido. E aí, o Terada fala que o Shirai aprendeu um kendô errado esse tempo todo e, se quisesse entender realmente de kendô, ele teria que abandonar tudo e começar literalmente do zero.

Aí entra a grandeza dos dois: o Terada ao falar essa verdade na cara do Shirai e ao mesmo tempo se dispor a ajudá-lo, e o Shirai, ao admitir essa verdade e ter humildade para recomeçar tudo de novo. Como resultado, o Shirai atingiu um nível elevadíssimo dentro da arte. E ele escreveu algumas de suas considerações em um escrito chamado Hyôhô Michishirube, que é dividido basicamente em duas partes: a primeira, que é mais ou menos uma biografia dele (incluindo a historieta acima), e a segunda, que é uma explanação que ele dá sobre o kendô. É um texto sensacional que eu acho que deveria ser obrigatório para qualquer pessoa que treine kendô ou kenjutsu. O texto abaixo dele vem desse escrito.

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"Eu acredito que o kendô não é para cortar pessoas
É para cortar os pensamentos negativos que surgem dentro de si
Para desenvolver um espírito que jamais se abala em qualquer situação
Para burilar o corpo, a mente e o espírito
Para nascer a sabedoria luminosa,
A força de vontade resoluta e firme
e um temperamento gentil e pacífico
Para sempre guardar o mútuo respeito entre mestre e discípulo
Para treinar, buscando um espírito e uma técnica mais elevadas
Para conhecer o propósito de existência do ser humano e
trilhar o grande caminho que um ser humano deve trilhar
e com isso beneficiar o mundo."

(Mochida Seiji, 1885-1974, 10o dan Hanshi de kendô)

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"(...) A elevação máxima do espírito e a verdade suprema são o que nós chamamos de 'Caminho', a compreensão disso é o que chamamos de 'Virtude' e a sua execução é o que chamamos de 'Grandeza Humana', aquilo que nos difere de meros animais.

Dentro da minha arte (kenjutsu), chamamos de 'utilizar a Arte' quando o praticante de artes marciais emprega as suas técnicas calcadas na Tríade acima citada.

'Utilizar a Arte' é vivenciá-la e comprazer-se nela, através de técnicas que devem ser sempre manifestações das Virtudes Supremas, do Caminho, da Grandeza Humana e da Misericórdia e Compaixão.

Atualmente, os praticamentes e professores de artes marciais ignoram por completo os meios de despertar e entrar em contato e se tornar Um com esses Elementos Maiores, afirmando que 'treinar a Arte' e 'utilizar a Arte' são aperfeiçoamentos contínuos de técnicas através de treinamentos rigorosos e sofridos. Essa visão é oriunda de perspectivas mesquinhas e visando vantagens para si, como por exemplo conhecer e dominar meios e estrategemas para derrotar o oponente. Como algo tão baixo assim pode ser chamado de 'utilizar a Arte'?

Um praticante só pode ser considerado que dominou a Técnica quando ele está sempre em sintonia com a Verdade e com as Virtudes. E, quando está em uma luta mortal, onde as espadas já estão cruzadas, ele manifesta a sua Essência Divina que permeia todo o Universo para conter os movimentos do seu oponente, e ele emana a sua Luz radiante para aplacar o ímpeto do seu adversário, sempre agindo de acordo com a máxima elevação de espírito, livre de todas as amarras mundanas que porventura poderiam prendê-lo. (...)"

("Hyohô Michishirube 兵法未知志留邊 - Kan no Shita" - "Os Marcos Indicativos do Caminho dentro das Artes Marciais - Parte Final", Shirai Tooru, 1783-1843)

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Wednesday, July 06, 2005

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Kenjutsu Giron - Part 3


Desta vez, não tem muito o que falar.
Nothing much to say this time...

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É uma técnica utilizada em uma situação limite de vida ou morte e factível apenas para aqueles que sabem se portar como seres humanos.
It's a resource used only in an extreme situation and employable only by those who can act as real human beings.

Notem que não tem nada de espiritualidade ou caminho. O kenjutsu é apresentado mais como um meio de defesa.

Até mesmo as abelhas e cobras possuem veneno. As aves de rapina e as feras possuem garras, chifres e presas para se defenderem contra ataques dos seus predadores. Se até mesmo os animais possuem meios de defesa, o que dirá dos seres humanos? De fato, os humanos são seres nus, sem presas, garras, chifres ou patas. Sem um conhecimento das técnicas de esgrima, como um ser humano pode evitar danos a si?
Even bees and snakes have poison. Birds and beasts do have claws, horns and fangs to protect themselves against their predators. If even animals have means to defend themselves, what can be said of human beings? Indeed, human beings are naked beings, without fangs, claws or horns. Without knowledge of swordsmanship, how can a human being be able to prevent damage to himself?

Uma pessoa moderna poderia até traçar uma analogia com relação ao uso de armas de fogo, argumentando que as mesmas justificativas são válidas. De fato, acho que se levar em consideração apenas o texto, a linha de pensamento do autor pode ser aplicada para o uso de armas de fogo. Mas convém lembrar que existe um contexto cultural por trás desse manuscrito, que não aprova o uso de armas de fogo, por considerá-las armas de covardes. Assim, não creio que o autor esteja argumentando a favor do uso de tais armas.

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